1.- A questão que se coloca hoje nos chamados “estágios” ou “voluntariado”, é focalizado num trabalho realizado e não pago. Existe por aí uma grande confusão sobre estes conceitos, que levam mesmo a empresas sem trabalhadores, mas com estagiários e voluntários, a quem não se paga. Vejamos alguns exemplos concretos (não se referem aqui o nome das empresas): “… é uma empresa com cinco anos de atividade, que presta serviços de consultoria, formação e arquitetura. Tem parcerias estabelecidas com várias universidades, institutos, câmaras municipais e outras entidades públicas, tanto nacionais como europeias. Está neste momento à procura de um mestre da área de Comunicação e/ou Marketing que aceite trabalhar gratuita e ilegalmente durante 10 meses….”;”…somos exigentes, mas criamos as condições para desenvolvimento de equipas o candidato, não remunerado, tem de possuir muita garra e vontade de vencer» e avisa-se que tem de trazer computador portátil…”; a empresa…lançou esta semana um anúncio destinado a licenciados ou estudantes finalistas das áreas de design, multimédia e comunicação. A pessoa recrutada irá trabalhar gratuitamente durante um período entre três meses e um ano, como estagiário; “ recrutamos um colaborador helpdesk e um programador, recém-licenciados, e ainda de um comercial com experiência, que queiram ser estagiários não remunerados…”; “Cada candidato deve possuir «habilitação académica superior em psicologia (membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses) ou em serviço social». Deve ainda ter disponibilidade para fazer formação ao fim-de-semana e para ser chamado em situações de emergência. É valorizado se tiver experiência profissional e «formação em intervenção psicossocial em crise». Todo o seu trabalho será feito em regime de voluntariado.”; “A … pertence ao Grupo Heineken e é a detentora de marcas como a ……… Fundada em 1934, tem muitos trabalhadores, lucros elevados, e, sobretudo, muita experiência nos negócios. Apesar disso, neste momento, tem a decorrer um processo de recrutamento de um estagiário sem salário.”; “Num anúncio publicado há dias, esta consultora começa por indicar que, «pelo segundo ano consecutivo», está na lista Melhores Empresas para Trabalhar da revista Exame. Em seguida, informa que procura um helpdesk que queira trabalhar sem receber.” A lista seria infindável….
2.- Ora, o estagiário é aquele que trabalha, aprende, por isso é útil para a empresa e a sociedade, mas tem uma contrapartida remunerada, o trabalho é sempre uma fonte de vida, e por isso possui contrapartida. Por sua vez, o voluntário não é aquele que ocupa o lugar de um trabalhador, mas em diversos serviços coloca a sua força e o seu saber adquirido ao serviço de causas, devem ser remunerados, em casos de “desígnio pessoal”, logo que não colida com trabalho expresso e necessário, não remunerado, mas recebendo em troca a refeição, o transporte ou outras. O caso dos reformados é paradigmático, com um saber substantivo podem e devem transmitir a outros, não ser descartáveis ao ponto de esperar pelo dia da “sua morte”.
3.- Tenhamos em consideração que a 30 de Janeiro, o Instituto Nacional de Estatística divulgou dados preocupantes de um inquérito realizado em 2014 sobre rendimentos de 2013: 19,5% da população portuguesa estava em risco de pobreza e a taxa chegava aos 47,8% antes das transferências sociais (pensões, subsídio de desemprego, rendimento de inserção social). Se uns acharam os números desatualizados, outros dizem que foram ocultados milhares de pessoas.
Numa audiência, sábado passado, o Bispo de Roma, Francisco, não teve receios de dizer: “Hoje é uma regra, não digo normal, habitual … mas muitas vezes se vê: “Está procurando um emprego? Venha, venha nesta empresa. ” 11 horas, 10 horas, 600 €. “Você gosta disso? Eu não tenho? Vá para casa. ” O que fazer neste mundo que funciona bem? Porque há uma fila de pessoas à procura de trabalho: se você não gosta, vem aí outro, como ele.” E mais adiante: “Você que é você?” – “Eu sou um engenheiro” – “Ah, que bom, que bom. Quantos anos ele tem? “-” 49 “-” Não, vá embora “. Isso acontece todos os dias.”
4.- A brutalidade que estas fotografias, a par com os injustos “recibos verdes”, são da sociedade em que vivemos “liberalizada”, conduz a uma pantomina nada engraçada, como se o trabalho fosse para enriquecer uns e empobrecer outros. É mister a denúncia num Portugal “católico”, mas desembainhando espadas para “cortar orelhas”. Bom é pensarmos nestas questões, refletir e decisivamente dizer um grande Não!, a esta vergonhosa exploração.
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