03/12/14

Samaritanos - Associação de Visitadores de Estabelecimentos Prisionais

Entrevista a Joaquim Carrasqueiro, presidente dos Samaritanos

"Vale sempre a pena"

Há mais de vinte anos, começou a frequentar a Prisão Escola de Leiria como voluntário no grupo de acompanhamento religioso. Joaquim Carrasqueiro de Sousa, antigo profissional de seguros, com 65 anos de idade, é natural da Calvaria de Cima e residente na Batalha. Fez licenciatura em Ciências Religiosas na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, onde frequenta atualmente o mestrado em Estudos da Religião. Quando se formaram “Os Samaritanos”, em 1996, foi eleito presidente, cargo que tem desempenhado até hoje.

A prisão é, por norma, um ambiente “pesado”... é fácil trabalhar com os reclusos?
O recluso vê em cada visitador o amigo, o pai, o irmão, a mãe que por vezes não teve. Sabe da nossa proximidade e connosco se abre mais facilmente, na certeza de que o nosso lado não é o do poder instituído. Mas sabe também que somos portadores de uma mensagem de paz, tranquilidade, afetividade, na tentativa de ajuda à reconstrução de uma vida tantas vezes dramaticamente desconstruída. Para quem vai com esta predisposição, torna-se fácil.
Mas há dificuldades...
Por vezes, encontramos alguma dificuldade em chegar até ao recluso, face às situações imprevistas e que as contingências do momento nos apresentam. No entanto, de um modo geral, o acesso é-nos facilitado, existindo da parte da direção do Estabelecimento Prisional a máxima compreensão, apreço e ajuda ao nosso trabalho.
Como está a correr atualmente esse trabalho?
No momento presente, a nossa ação no Estabelecimento Prisional decorre com alguma normalidade, embora um pouco constrangida e até restringida pela inexistência de um espaço onde possamos celebrar a Eucaristia ou outras celebrações com aqueles que o desejem.
Não há uma igreja?
Dadas as reestruturações dos serviços e do espaço, não é viável a utilização da igreja ali existente. Mas tivemos autorização da direção para adaptar uma antiga oficina em capela, cujas obras estão a decorrer e para as quais estamos a angariar algumas ajudas. Quando estiver pronta esta capela, teremos mais condições para em cada semana ou em qualquer outro dia nos reunirmos e celebrarmos a nossa fé em comunidade.
Vale a pena este serviço? Há resultados na mudança de vida dos reclusos?
Cada caso é um caso, mas vale sempre a pena. Muitos jovens ainda hoje fazem eco da ação dos Samaritanos junto deles, nos mais recônditos locais onde se encontram. E temos o conhecimento direto de alguns dos que ficaram por esta região, para não regressarem às mesmas origens e ao ambiente que os levou à prisão, e que são hoje pessoas responsáveis e até algumas comprometidas na Igreja.

Lugar de conversão

Uma das atitudes primordiais e fundamentais da fé é a regeneração, o mesmo é dizer, a conversão. Toda a atitude de perdão e misericórdia que Jesus demonstrou teve como alicerce o desejo de conversão. A expressão "vai e não tornes a pecar" é representativa desta “metanoia” ou conversão que está na base da fé.
Esta premissa é fundamental para percebermos a presença da Igreja nas prisões. O recluso não pode ser visto como um criminoso condenado e definitivamente perdido. A prisão não é apenas local de castigo. Sendo lugar de penitência, é automaticamente lugar de conversão, lugar de regeneração e lugar de mudança.
Acreditar que podemos sempre ser melhores do que fomos é o desafio que me anima neste trabalho. Por isso entendo a fé como uma "nova visão ou novo olhar sobre o mundo e sobre os outros". É essa nova visão que quero ter sobre os reclusos e gostaria de lhes transmitir sobre si próprios e sobre o mundo e os outros.
Este desafio ultrapassa a presença ritualista, sacramental e espiritual. Sinto que o desafio que Deus e a Igreja me pedem é, por isso, mais humano, mais básico, mas não menos exigente.  Estou preparado para o embate de querer as estrelas, mas na realidade não conseguir descolar da terra.
A presença da Igreja, no grupo de “Os Samaritanos”, será sempre momento de alento, esperança e confiança. Sem pretensões proselitistas, daremos o nosso trabalho como bem sucedido sempre que um recluso conseguir vislumbrar o sol que brilha para lá da sua cela escura.
Sinto o peso da grande obra dos meus antecessores, que me habituei a ouvir e a admirar, e sei que será com a sua ajuda e intercessão que poderei fazer alguma coisa. Assim Deus me ajude.
P. Rui Ribeiro, Capelão dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria

“Missão entre grades”

Lançaram-me um desafio! Falar-vos do momento mais importante que vivi como voluntária na Prisão Escola de Leiria. Antes de mais, posso dizer-vos que esta missão é um constante desafio, pela sua complexidade e, ao mesmo tempo, simplicidade de sentimentos. Há alguns anos,  convidaram-me para fazer parte da Associação de Visitadores dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria. Um pouco receosa, sem saber se tinha perfil e vocação para conseguir ajudar aqueles rapazes, decidi aceitar e, hoje, agradeço por ter dito sim a esse apelo. São tantos os momentos especiais que tenho vivido nesta missão, histórias de vida partilhadas, sorrisos e desabafos...
Já tantas vezes os reclusos me perguntaram: “Porquê? Porque vens cá?”. Confesso-vos que nunca procurei encontrar a “resposta certa”, porque a verdade é que todos precisamos de sentir que alguém está do nosso lado. Cada um tem a sua missão, sinto que a minha também é estar ali. Como tal, nos últimos anos, tenho celebrado parte do dia do meu aniversário na Prisão Escola, junto destes rapazes que me chamam “mana”, porque eles também se tornaram a minha família.
Recordo um dos momentos marcantes, ocorrido há cerca de 4 anos, quando um dos rapazes desprovido de liberdade me disse algo que nunca irei esquecer: “Eu não sei rezar, nunca fui destas coisas, nem sei se acredito, mas vou pedir a Deus por ti. Vais estar um tempo longe de nós e isso vai custar-nos, mas sei que, se rezar, tudo vai correr bem e vou pedir-lhe que depois voltes para junto de nós outra vez”. Sei que ele, como tantos outros, rezaram e rezaram mesmo de coração.
Ouvir palavras simples como “obrigada”, “sem vocês isto era muito mais difícil”, “voltem sempre”... faz-me ter a certeza de que vale a pena sermos do outro, em qualquer lugar do mundo, mesmo que seja uma “missão entre grades”.
Elsa Pedro, voluntária dos Samaritanos
Daqui.

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